A garantia de enriquecimento rápido e seguro, as promessas de ascensão social a partir do próprio trabalho e a sensação de pertencimento a um clube de empreendedores bem-sucedidos são ideias vendidas pela Herbalife e rapidamente fulminadas no documentário Betting on zero (em português, Apostando no zero, de 2016), dirigido por Ted Braun (Darfur agora).
O longa disponibilizado na Netflix desmonta os princípios da multinacional de produtos de nutrição e retrata a empresa como um esquema de pirâmide financeira montado para beneficiar os executivos em detrimento dos funcionários – em especial, os da base, flagrados em situação de vulnerabilidade social.
O recorte na forma de atuação da empresa permite perceber o ideal de prosperidade vigente na arena financeira de Wall Street, onde a ausência de regulação e a busca por lucro podem extorquir o trabalhador e privilegiar os especuladores do mercado de ações. O panorama é apresentado sob a ótica mercadológica da atuação de um investidor, mas desliza, com boa dose de sinceridade, para as implicações sociais do funcionamento nocivo da Herbalife.
O bilionário Bill Ackman é o fio condutor do filme. Ele gerencia um fundo de investimentos (Pershing Square Capital) especializado em apostar na falência de empresas em situação duvidosa, prática conhecida como betting on zero, e decide investir contra a multinacional alimentícia. A cruzada para convencer executivos inclui sessões de perguntas e estudos ao lado de uma jornalista com quem escreveu um livro.
O material de pesquisa sobre a Herbalife constitui o principal ativo do filme. Bill detalha, com base em gráficos, entrevistas, vídeos institucionais e de treinamentos, como a empresa concentra o lucro no recrutamento de supervisores e na transferência direta de dinheiro para os superiores em vez de obter recursos com a venda dos produtos – até três vezes mais caros na comparação com similares do mercado. Os shakes e vitaminas são apresentados como meros instrumentos para viabilizar o repasse, e o modelo se repete entre novos funcionários até se mostrar insustentável.
O esquema viciado é encoberto por um linguajar promissor pela Herbalife – “oportunidade de negócios”, “marketing de multinível” – e comum às estratégias de marketing convergentes com o sonho americano de ascensão social através do próprio esforço. “Você ganha por vendas que introduz ou patrocina, direta ou indiretamente”, contrapõe o então presidente da empresa, Michael O. Johnson, ex-diretor da Disney Internacional e substituto do fundador, Mark Hughes, morto no ano 2000 por overdose de álcool associado a antidepressivos.
A falência e a corrupção inerentes a esse sistema – se levado ao extremo, não se manteria nem com a adesão da população inteira do planeta – abre a janela para desnudar o impacto na vida de quem se deixou seduzir pela empresa. E aí entra mais uma face cruel da economia dos EUA associada à desatenção histórica do estado com os imigrantes latinos. Alvos preferenciais da empresa, irregulares no país e com medo de serem deportados, eles sofrem duplamente ao perder o dinheiro na compra dos produtos e ter a cidadania negada na hora de acionar a justiça.
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Comunidade latina protesta contra empresa. Foto: Netflix/Divulgação |
A batalha travada contra a prática enganosa da Herbalife, segundo o documentário, também ilustra como o mercado financeiro se serve de expedientes alheios à economia e à qualidade dos produtos para valorar uma empresa – sem necessariamente ter contraparditas sociais. Inimigo declarado de Bill, o bilionário Carl Icahn (Icahn Enterprises) decide investir na multinacional e fazer o contrapeso à pregação em desfavor da empresa, movimento responsável por fermentar as ações na bolsa.
A saga contra a Herbalife, narrada no filme, despertou o interesse de órgãos fiscalizadores dos Estados Unidos, e a empresa acabou punida por conduta irregular de mercado. Em 2016, a multinacional pagou 200 milhões de dólares (a 350 mil pessoas) para encerrar uma investigação sobre práticas enganosas e aceitou mudar os lucros dos distribuidores com o objetivo de privilegiar a remuneração pela venda dos produtos. O acordo também sepultou uma acusação por esquema de pirâmide. A sanção, no entanto, se limitou aos Estados Unidos, onde ela detém 20% das operações.
Com patrocínio de rostos famosos, como o melhor jogador do mundo, Cristiano Ronaldo, a empresa atua em mais de 90 países e conta com 3,2 milhões de distribuidores. O site da empresa no Brasil dedica uma seção para rebater acusações de práticas ilícitas de mercado e chama de mito a referência à existência de um esquema de pirâmide. Diz a multinacional: “A Herbalife é uma empresa global de nutrição” e exerce “uma atividade legítima”. A remuneração obtida a patir do recrutamento, como demonstrada no documentário, inexistiria no país, de acordo com a empresa. “Todas as formas de ganhos são baseadas em venda de produtos e comissões”.
O viés assumidamente “pró-sociedade” de Betting on zero – o investidor Bill Ackman até promete doar os lucros obtidos com as perdas da Herbalife – não compromete a eficácia do documentário. A investigação e exposição das práticas de mercado da empresa ajudam a jogar luz sobre os bastidores de Wall Street e tornar públicas informações via de regra escondidas e potencialmente danosas à saúde das nações.
POSICIONAMENTO
Herbalife rebate acusações feitas pelo filme.
O vídeo Betting On Zero (“Apostando em Zero”, em Português) não é um documentário e, sim, um longo vídeo publicitário que tem como objetivo fazer uma campanha contra o setor de vendas diretas. Neste setor, os produtos são comercializados por meio de revendedores diretos autônomos.
Idealizado e financiado por Bill Ackman, um investidor norte-americano, o vídeo tem como objetivo beneficiar sua própria aposta financeira contra uma das maiores empresas de vendas diretas do mundo: a Herbalife Nutrição. Nesta aposta, Ackman atuou para tentar lucrar com a queda das ações da empresa na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE).
Com o passar dos anos em que Bill Ackman segue insistindo em sua estratégia, a imprensa, políticos e especialistas tem questionado publicamente suas táticas e motivações, se posicionando contrários aos seus ataques contra a empresa. A exemplo de matérias publicadas no The New York Times, Fortune e CNBC.
Esta campanha já dura mais de quatro anos. Por outro lado, a empresa está mais forte do que nunca: com 36 anos de história, a Herbalife Nutrição tem como missão mudar a vida das pessoas por meio de produtos que incentivam um estilo de vida saudável e ativo a consumidores em todo o mundo. Líder global em gerenciamento de peso com produtos como o shake, possui mais de 4 milhões de Consultores Independentes, que comercializam os produtos, e mais de 8 mil colaboradores.



